terça-feira, janeiro 30, 2007

cat power... ou recordações de um dia perfeito...





"Cat Power - Cinema Batalha - 5/11/06

21h30... 30 minutos depois da hora prevista baixam as luzes da sala e entram em palco o guitarrista Judah Bauer (Jon Spencer Blues Explosion), o baterista Jim White (Dirty Three), o teclista Greg Foreman (The Delta 71') e o baixista Eric Papparozzi. Segue-se uma jam bluesy. A jam prolonga-se... 1 minuto, 2 minutos... 3, 4, 5, 6... o público, conhecedor do (mau) feitio da "diva" começa a questionar-se: "Então? Será que ela não vem?". A jam termina e o Greg Foreman aborda o intro da The Greatest. O público jubila!! "É agora que ela vem!!" Os músicos vão tocando em círculos à volta da simples progressão de acordes. A intro prolonga-se. A "diva" não se vislumbra. A dúvida instala-se na sala. Sente-se um agitar nervoso, as mãos que passam no cabelo, as unhas que se vão roendo: "Mas ela vem ou não? Ouvi dizer que ela já andava bem... mas também ouvi dizer que o concerto ontem na Aula Magna não correu lá muito bem. Será que a rapariga não vem?!?". Uns bons minutos depois, Chan Marshall desfaz todas as dúvidas e entra finalmente em palco. Copo na mão, vestido curto e com decote no corpo. E a voz... e que voz. O "veludo", os maus tratos repetidos ano após ano (álcool e cigarros)... que voz. "Once I wanted to be the greatest...".

É fácil perceber o que de diferente trás esta banda às músicas de Cat Power: blues rock! Não é um concerto intimista, guitarra ao colo, piano colado aos dedos; não é um concerto a fugir para o soul, com coros, sopros e cordas, como vinha sendo hábito com a banda que a acompanhou até à bem pouco tempo desde as sessões de gravação do último álbum. Este é só o segundo concerto que estes músicos dão juntos! E isto, senhores e senhoras, é blues rock! Isto é para bater o pé! Não muito, mas bate-se. A intimidade lê-se só nas letras, sempre pessoais, retratos de honestidade, de medos e dúvidas. E a voz... a pairar sempre acima, muito acima de tudo o resto...

O alinhamento vai sendo percorrido... Willie, Hate, Living Proof... enfâse clara no último álbum! Ok, menina Chan... assim seja!! Where is my love, o arrepio. E algures por aqui o mau génio: vira-se para os músicos, aponta para a setlist dizendo "Do you know were the fuck we are?" (ou coisa do género). Olham uns para os outros, encolhem os ombros... decide ela começar a próxima música mas o Greg Foreman não entra atempadamente! A senhora manda parar a música: "This is very annoying!". Recomeça... tudo perfeito, tudo belo... valha a verdade: qualquer cacofonia soaria decente com aquela voz a planar por cima e cacofonia é coisa que não há aqui.

O alinhamento continua, música atrás de música, pérola atrás de pérola, músicas dos Stones (Satisfaction), dos Gnarls Barkley (Crazy), que se tornam, naqueles minutos, dela - e a surpresa: afinal a Satisfaction não precisa do refrão para ser rock'n'roll de primeira água. Não há aqui espaço para as músicas dos primeiros álbuns. Isto é uma nova Cat Power: alegre, extrovertida, atrevida, sexy, bem-humorada (veja-se o pormenor em Where Is My Love: brincando com o hábito de quase todos os elementos do público acenderem um isqueiro nas baladas, é a própria Chan quem saca de um e o agita acima da sua cabeça).

Pouco mais de uma hora depois (Já? Passou rápido...) o concerto parece terminar. A banda despede-se. A menina também. O público bate palmas. Levanta-se. A menina afinal não sai e senta-se ao piano, pede chá para a garganta (queixa-se de problemas com a voz... pois sim!) e volta a encantar: uma cover dos Fairport Convention e a beleza de I Don't Blame You. A verdadeira Cat Power está aqui, sozinha ao piano. Estes últimos minutos são um arrepio de beleza constante... levanta-se do piano, vai ao microfone, canta uma música que não reconheci a capella (Bolas! Até assim soa bem...) e despede-se com um sorriso. Até à próxima. O público reconhece a beleza e ovaciona de pé.

What part of me do you want? (questiona, brincando, a meio do concerto, quando Judah Bauer pede "mais Cat Power neste monitor"): a voz... só a voz..."

nota: texto publicado no daily wage há um tempinho atrás. serve aqui o propósito de reafirmação da quase-perfeição de uma artista, um concerto e um dia na minha vida... e também "enche espaço", confesso...